domingo, 26 de setembro de 2010

Que língua é essa?

Não são poucas as vezes em que, na nossa própria convivência social, emitimos ou escutamos expressões lingüísticas julgadas, por muitos, como erradas. Palavras como “fosfro”, “veve”, “vrido”, ou expressões do tipo “nós vai”, “um pastéis”, “as onda se espaia”, são vistas de modo negativo por aqueles que prezam o bem falar. A conseqüência desastrosa desse fato é o preconceito lingüístico, que, assim como a maioria dos outros no Brasil, é pouco debatido e só continua existindo pela falta de informação e conscientização.
Agora, voltando ao que interessa: por que esses modos de falar são discriminados? É porque não estão de acordo com a gramática normativa, que é a certa e, por isso mesmo, a que ensina a falar bem? E o que é falar bem?
São essas e outras questões que Marcos Bagno, sociolingüista e doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, aborda em seu livro A língua de Eulália (11.ed. São Paulo: Contexto, 2001).
Nessa obra, o autor trata da estrutura, da lógica e do funcionamento do português não-padrão com o objetivo de esclarecer dúvidas e desmitificar preconceitos em relação a essa variedade da língua.
Para tanto, Marcos Bagno cria a personagem Irene, uma professora de português que irá desvendar os mistérios da “última flor do Lácio” a três alunas muito especiais: Vera, sua sobrinha, estudante de Letras; Sílvia e Emília, ambas amigas da primeira e estudantes de Psicologia e Pedagogia, respectivamente. Os conteúdos contemplados na obra são trabalhados pela professora depois que as meninas, por pura ignorância, comentam o falar “errado” de Eulália, a empregada de Irene.
Focalizando a língua portuguesa em seus aspectos sociais, o autor apresenta explicações para diversos problemas que permeiam a variedade não-padrão da língua. Para fundamentar sua análise, Marcos Bagno recorre com freqüência a fatores relevantes como a evolução e as variações comuns em qualquer idioma, bem como às obras de autores especialistas no assunto. E, para facilitar o entendimento, usa os mais variados textos, desde alguns fragmentos de Os Lusíadas até Cuitelinho, uma canção popular do Centro-Oeste/Sudeste do Brasil.
Baseado em estudiosos como William Labov, Magda Soares, Stella Maris Bortoni, Maurizzio Gnerre, entre outros, Marcos Bagno chega à conclusão de ser o português padrão uma língua ideal, que serve apenas de modelo para as produções lingüísticas reais dos falantes, os quais nunca conseguirão atender a todas as regras impostas por essa norma.
Por outro lado, ele faz uma série de elogios ao português não-padrão, considerando-o mais dinâmico e original, o que pode levar o leitor a crer que a sua pretensão é abolir a norma culta. Na verdade, Marcos Bagno é categórico ao afirmar que o ensino de Língua Portuguesa deve ser crítico e que não pode haver preconceitos quanto ao uso de variedades não-padrão no meio escolar, pois, ao mesmo tempo em que se discrimina essas diferentes formas de expressão, está-se menosprezando a identidade de seus respectivos falantes.
Dessa forma, o ensino de Língua Portuguesa deve ter como objetivo tornar o falante um poliglota em sua própria língua, capacitado a adaptar seu discurso a diferentes contextos, e não um compêndio ambulante de regras gramaticais que nunca são usadas completamente.
Através de uma linguagem clara e concisa, Marcos Bagno faz com que um assunto restrito ao âmbito acadêmico se torne acessível a qualquer leitor. É nesse sentido que A língua de Eulália pode ser um instrumento valioso para professores da área e também para os demais leitores, que, com a oportunidade de conhecer o funcionamento de um português estigmatizado, poderão combater o preconceito lingüístico tão arraigado em nossa cultura.

(Professora Kalliane Amorim)

Nenhum comentário:

Postar um comentário